Na segunda parte do pátio tinha aquela pereira que eu já falei. Tinha também um tanque de lavar roupa e uma parreira de uvas pretas, brancas e cor-de- rosa. As cor-de-rosa eram as mais doces. Claro que também eram as que todo mundo gostava mais, que ninguém é bobo.
Esquisito é que as uvas cor-de-rosa sempre eram as últimas a amadurecer. Desde dezembro, ficava todo mundo de olho nelas, na maior impaciência. Lá pelo Natal, amadureciam as pretas. As brancas só amadureciam no meio de janeiro, na época do aniversário do meu irmão, Gringo. Mas as cor-de-rosa... Meu Deus, como as diabas demoravam: só na altura do Carnaval. Isso que todo dia a gente cuidava.
Acho que era implicância delas. Pura birra. Ou medo de serem comidas, sei lá. Quem pode saber se uma fruta sente coisas, que nem a gente? Eu é que não. Vezenquando acho que até as pedras sentem. (Por falar nisso, você sabia que tem umas pedras que não param nunca de crescer?)
Outra coisa que eu penso quando me lembro daquelas uvas cor-de-rosa é que, na vida, as coisas mais doces custam muito a amadurecer. Mas isso é pensamento de gente grande, deixa pra lá.
(Vocês já repararam como estou dispersivo? Dispersão é quando a gente começa a contar uma coisa, aí interrompe e começa a contar outra, no meio daquela, depois começa a contar de novo a primeira coisa, e interrompe também para contar uma terceira. Por aí vai. Prometo que daqui a pouco vou me controlar. Mas por enquanto estou bem dispersivo mesmo.)
Bem, naquela parte do pátio tinha também um poço. Esse poço tem uma história tão estranha que eu não posso deixar de contar.
A gente nunca sabia onde tinha água. Claro, a água fica no fundo da terra, a gente não vê ela. Aí, para descobrir, o meu pai mandou chamar um descobridor de água muito famoso na cidade. Ele veio com uma forquilha enorme — um pedaço de madeira assim meio parecido com a letra Y. O homem segurava as duas pontas de cima da forquilha e a ponta de baixo ficava apontando para a terra.
Ele ficou a tarde inteira caminhando pelo pátio. Quando chegou atrás da pereira, nem te conto. Pois não é que a tal da forquilha começou a se mexer sozinha? Então ele garantiu que ali tinha água.
A gente duvidou e fez pouco. Mas meu pai chamou uns outros homens, que eram uns fazedores de poços muito famosos na cidade. Eles começaram a cavar, cavar, cavar, muito fundo. Pois não é que, lá naquele fundo bem fundo, tinha água mesmo?
Esse é um dos mistérios mais misteriosos que eu me lembro. Se você não acredita, meu pai, minha mãe e meus irmãos estão de prova até hoje. É só falar com eles, lá no Sul. O telefone é (51) 233-4197.
Nessa segunda parte do pátio, tinha também uma casinha de madeira cheia de coisas que a gente não usava mais, e minha mãe chamava de galpão. Galpão é mais ou menos isso que noutros lugares chamam de barraco.
Dum lado do galpão, ficava a casinha que vezenquando era do Faruque, da Cadeluda, do Rex ou do Duque. Do outro, estava o galinheiro, O galinheiro ficava, então, bem ali onde terminava a segunda parte do pátio e começava a terceira.
Esquisito é que as uvas cor-de-rosa sempre eram as últimas a amadurecer. Desde dezembro, ficava todo mundo de olho nelas, na maior impaciência. Lá pelo Natal, amadureciam as pretas. As brancas só amadureciam no meio de janeiro, na época do aniversário do meu irmão, Gringo. Mas as cor-de-rosa... Meu Deus, como as diabas demoravam: só na altura do Carnaval. Isso que todo dia a gente cuidava.
Acho que era implicância delas. Pura birra. Ou medo de serem comidas, sei lá. Quem pode saber se uma fruta sente coisas, que nem a gente? Eu é que não. Vezenquando acho que até as pedras sentem. (Por falar nisso, você sabia que tem umas pedras que não param nunca de crescer?)
Outra coisa que eu penso quando me lembro daquelas uvas cor-de-rosa é que, na vida, as coisas mais doces custam muito a amadurecer. Mas isso é pensamento de gente grande, deixa pra lá.
(Vocês já repararam como estou dispersivo? Dispersão é quando a gente começa a contar uma coisa, aí interrompe e começa a contar outra, no meio daquela, depois começa a contar de novo a primeira coisa, e interrompe também para contar uma terceira. Por aí vai. Prometo que daqui a pouco vou me controlar. Mas por enquanto estou bem dispersivo mesmo.)
Bem, naquela parte do pátio tinha também um poço. Esse poço tem uma história tão estranha que eu não posso deixar de contar.
A gente nunca sabia onde tinha água. Claro, a água fica no fundo da terra, a gente não vê ela. Aí, para descobrir, o meu pai mandou chamar um descobridor de água muito famoso na cidade. Ele veio com uma forquilha enorme — um pedaço de madeira assim meio parecido com a letra Y. O homem segurava as duas pontas de cima da forquilha e a ponta de baixo ficava apontando para a terra.
Ele ficou a tarde inteira caminhando pelo pátio. Quando chegou atrás da pereira, nem te conto. Pois não é que a tal da forquilha começou a se mexer sozinha? Então ele garantiu que ali tinha água.
A gente duvidou e fez pouco. Mas meu pai chamou uns outros homens, que eram uns fazedores de poços muito famosos na cidade. Eles começaram a cavar, cavar, cavar, muito fundo. Pois não é que, lá naquele fundo bem fundo, tinha água mesmo?
Esse é um dos mistérios mais misteriosos que eu me lembro. Se você não acredita, meu pai, minha mãe e meus irmãos estão de prova até hoje. É só falar com eles, lá no Sul. O telefone é (51) 233-4197.
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