A mais antiga delas é a Ulla. Ela tem esse nome esquisito porque veio de um país chamado Suécia. Esse é um nome muito comum lá, que nem Maria aqui. A Ulla é assim toda pequenininha, gordinha, marrom-clara com o bico amarelo.
Quem me deu a Ullafoi um amigo, o Augusto. Ele morou muito tempo na Suécia, depois mudou para um país ali perto, a Noruega, onde só tem gente loira e alta. Cada vez que o Augusto me escreve, pede notícias da Ulla. Eu sempre respondo: vai bem, mandou lembranças. E mandou mesmo, ela é supereducada.
Ganhei a Ulla faz uns quatro anos. Como o galinheiro ainda não existia, ela viajou comigo por uma porção de lugares. Até na Bahia já foi, e adorou. Imagina que na terra dela não faz calor, não tem palmeiras nem samba.
Depois que mudei pra este apartamento, ela veio morar no meu quarto. Agora estou olhando pra ela e achando que ela não está nem um pouco assustada por estar aqui de novo. É que a Ulla já se acostumou com esses livros todos e com o barulho da máquina de escrever.
Logo depois da Ulla, veio a Gabi. Quem me deu a Gabi foi uma amiga minha que acho que é a pessoa que eu conheço que mais gosta de frangas. Depois de mim, é claro. O nome dela é Cacaia. Pois agora não é que me lembrei que foi com a Cacaia que aprendi a falar franga em vez de galinha?
A Cacaia mora no Rio de Janeiro, mas vezenquando vem a São Paulo me visitar.
Um dia ela chegou de viagem e perguntou assim:
— Adivinha o que eu trouxe de presente pra você?
Eu disse:
— Um disco.
Ela disse:
— Er-ra-do. Tenta de novo.
Eu disse:
— Um livro.
Ela disse:
— Puxa, mas você só pensa em disco e livro? Erradíssimo. Pode tentar só mais uma vez, senão não ganha nada.
Eu disse:
— Um... um... um...
Ela falou:
— Uma franga!
Não é que era mesmo, gente?
Ela me deu um pacotinho que fui desembrulhando, desembrulhando até encontrar a Gabi. A Cacaia me contou que ia passando por um camelô nordestino, em Copacabana, quando olhou e viu um tabuleiro cheio de frangas. Aí ficou encantada e escolheu a que parecia mais franga de todas. Era a Gabi.
A Gabi parece meio de verdade. Mas é falsa, claro. Ela tem penas de verdade. Os pés e o bico são de cartolina; a crista de pano vermelho. Mas ela é bem assim da cor de uma franga mesmo. Meio despenteada, como toda franga que se preza.
A Gabi ficou morando uma porção de tempo na sala, perto dos discos. Como a Cacaia me garantiu que ela era nordestina (da Paraíba, tenho quase certeza), eu sempre colocava uns forrós e uns xaxados pra ela ouvir. Aí comecei a notar que, quando eu colocava algum disco da Elba Ramalho, a Gabi ficava toda animadinha. Até hoje fica: é nordestina mesmo.
Acontece que toda criança que chegava em casa inventava de arrancar as penas da pobre Gabi. É que o lugar onde ficam os discos é baixinho, qualquer criança alcança. Não que eu não goste de criança, mas a coitada estava ficando toda depenada, horrorosa.
Foi por isso que resolvi colocá-la em cima da geladeira. Para que a Gabi não se sentisse muito sozinha, peguei a Ulla no quarto, coloquei ao lado dela. Vi que as duas tiveram uns desentendimentos no começo, porque a Ulla fala português muito mal e a Gabi só fala com sotaque nordestino. Nenhuma conseguia compreender direito a outra. Mas aos pouquinhos foram se acostumando. Hoje são grandes amigas.

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| Por ludelfuego | 26.4.07 | 00:32.