A outra que chegou depois foi a Juçara.
A Juçara, gente, é um caso à parte. Pro meu gosto pessoal, cá entre nós — e que ninguém nos ouça, senão sai a maior briga dentro do galinheiro, daquelas de voar pena —, bem, a Juçara é a mais bonita de todas. A Jacqueline, que mora comigo, também acha. E isso que a Jacqueline entende horrores de franga também.
Quem me deu a Juçara foi o Pedro. O Pedro mora lá no Sul, tinha vindo passar uns dias em São Paulo. Toda pessoa que vem passar uns dias aqui em casa tem primeiro que ser apresentada às frangas. Senão elas fazem o maior escarcéu na hora em que a pessoa vai abrir a geladeira pra comer alguma coisa. Tem coisa mais barulhenta que escarcéu de franga? É aquela gritaria, aquele cá-cá-cá, có-có-có, voa pena pra tudo que é lado. Uma zona.
Franga, eu já disse, tem muito medo de quem não conhece. Sempre acham que vão torcer o pescoço delas, depenar e enfiar numa panela pra servir no almoço de domingo. Acho que têm razão, coitadas. A maioria das pessoas só pensa numa franga como uma coisa que a gente pode comer, não gostar.
Estas aqui de casa estão acostumadas só comigo, com a Jacqueline e com a Lourdes, a empregada. Que está proibidíssima de torcer o pescoço delas, depenar e cozinhar. Quando avisei a Lourdes disso, ela ficou meio espantada:
— Ué, gente, mas como é que eu ia cozinhar elas se elas não são de verdade?
A Ulla me piscou um olho, eu não disse nada. Só pisquei o olho de volta pra ela. Como é que a gente vai explicar pra uma pessoa que qualquer coisa pode ser de verdade, é só a gente acreditar nela?
O que sei é que as frangas adoraram de paixão o Pedro. As três Marias até paravam de bicar quando ele chegava perto. A Otília ficava toda nervosa, falou até em mudar de penteado. Umas frangas, mesmo.
Pois um dia o Pedro trouxe da rua a Juçara, de presente. Já falei que ela é lindíssima, não é? Pois é mesmo. Tem a cabeça e o peito inteirinhos brancos, depois o corpo, até o rabo, é azulmarinho com bolinhas brancas.
Você já viu uma franga azul com bolinhas brancas até o rabo? Nem eu, nunca tinha visto. Pelo menos até conhecer a Juçara. Além disso, ela tem as pernas amarelas e está em cima duma coisinha verde que parece capim. É toda empinadinha, mais empinada que a Otília, só que não é metida como ela.
Na loja disseram pro Pedro que a Juçara veio da ilha de Marajó, uma ilha imensa, lá em cima, perto do Pará. Será que é por isso que ela é toda empinadinha assim? Deve ter o maior orgulho de ter nascido numa ilha...
Com o tempo, fui descobrindo que a Juçara é muito séria e adora comida natural. Em vez de bicar milho, por exemplo, ela só bica arroz integral. Tem horror de comida em lata, de barulho de cidade, automóvel, televisão. E sabe histórias incríveis do tempo em que ainda era meio índia e morava lá em Marajó. Outro dia contou uma que achei tão linda. Até vou repetir aqui pra vocês.

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| Por ludelfuego | 26.4.07 | 00:28.

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