A próxima que chegou foi a Otília. E de novo a Cacaia estava envolvida na história. Eu gosto muito de mar. Como São Paulo não tem mar, vez em quando vou ao Rio de Janeiro só pra ir à praia. Quase sempre fico na casa da Cacaia. Uma noite, a gente ia voltando pra casa quando passamos num parque de diversões e resolvemos brincar um pouco.
A gente estava saindo do trem fantasma quando vi a Otília. Ela estava numa daquelas barraquinhas onde tem uma porção de coisas. Você joga uma argola e, onde a argola cair, você ganha aquilo que a argola argolou, quer dizer, pegou.
Eu de cara fiquei louco pela Otília. Inclusive porque já tinha visto uma igualzinha na casa duns amigos meus, que também adoram frangas: a Maria Emília, o Reinaldo e o Ruy.
E a Maria Emília tinha me garantido que a Otília dela tinha muito bons sentimentos.
Mas acontece que a minha pontaria é péssima. Sou daqueles que não acerta num elefante a três passos de distância. Aí a Cacaia disse que jogava a argola pra mim. Na terceira argolada, mirou bem e argolou em cheio a franga. Tive a impressão que a Otília até deu uma cacarejada, de puro gosto. E a primeira coisa que falou foi que estava doida de vontade de vir para São Paulo morar com a Ulla, a Gabi e as três Marias.
A Otília, nem te conto, é empinadíssima. Toda de louça bege, com um olho preto e um bico meio aberto, como se estivesse sempre reclamando de alguma coisa. Ela é carioca de nascimento, fala tudo chiadinho, adora praia, pizza e chope.
Gosta de viajar, também. Ela contou pra Ulla que uma vez fez uma excursão pela Europa. Só que era daquelas de visitar uns vinte países nuns dez dias. Então ela mistura tudo. Outro dia ouvi ela dizendo, toda importante:
— Sabe, Ulla, o que eu mais gostei em Londres foi... da Torre Eiffel.
A Ulla, que sabe que a Torre Eiffel fica em Paris, e é muito bem-educada, nem disse nada. Só piscou um olho pra mim. Mas a Otília mistura tanto as coisas que até hoje pensa que a Ulla nasceu na Suíça, não na Suécia. A Ulla nem corrige mais. Outro dia a Ulla veio me contar em segredo que a Otília despreza a Gabi, porque as únicas viagens que a Gabi fez foram da
Paraíba para o Rio de Janeiro, e depois do Rio de Janeiro para São Paulo. Ainda por cima é analfabeta. A Ullacontou que a Gabi disse assim:
— Mas por que é que uma franga precisa saber ler, Otília?
— Pra saber das coisas, ora — respondeu a Otília, toda estufada. E começou a ler o jornal. Ela adora ler jornal. Principalmente notícias sobre frangas. Que, aliás, são muito raras, não sei se vocês já repararam.
A Gabi é boa gente, não fica chateada. O divertimento principal dela é ensinar coisas para a Maria Rosa, a Maria Rita e a Maria Ruth.
Que coisas ela ensina? Ah, são coisas bem de franga. Pra gente pode parecer até meio besta, mas pra uma franga é interessantíssimo, quer ver?
Grão de milho, por exemplo, tem um jeito certo de bicar. Não pode ser de lado, senão ele pula fora. Tem que ser bem em cima. E uma bicada só, bem rapidinho. É esse tipo de coisa que a Gabi ensina. Não falei que parecia meio besta? Só que, como a Maria Rosa, a Maria Rita e a Maria Ruth só pensam em comer, acham da maior importância. E deve ser mesmo.

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| Por ludelfuego | 26.4.07 | 00:30.

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